Pensar em dar a volta o mundo por via marítima não é coisa que qualquer um de nós equacione, nem sequer de ânimo leve… Perspetivar fazê-lo numa embarcação à vela ainda menos. Optar por navegação solitária pelos quatros cantos do planeta, aí, já é coisa para (muito) poucos. Agora, juntar tudo isto e acrescentar, como meio de transporte, um veleiro com apenas 4 (quatro) metros de comprimento, isso, será somente para grandes ‘aventureiros’, para gente especialmente destemida, para pessoas capazes de gerir dificuldades e solidão como (quase) ninguém e, se calhar, para seres predispostos a superar o insuperável!
Um homem desta têmpera está na Marina da Horta, desde a última segunda-feira, 27 de junho. Chama-se Yann Quenet e acha-se já na curva descendente de uma circum-navegação que leva neste momento mais de três anos de jornada, por três oceanos cruzados (Atlântico, três vezes, Pacífico e Índico), quando, por agora, só lhe falta o percurso que ligará os Açores a Saint-Brieuc, na Bretanha, França, onde reside, não muito longe de outro porto gaulês famoso na vela internacional, Saint-Malo.
A mais recente etapa do périplo deste velejador pelas sete partidas do mundo durou 62 dias, desde o Brasil e até à ilha do Faial, onde chegou… já sem comida nem água a bordo! Algo parecido com o que lhe aconteceu antes, entre o Panamá e as ilhas Marquesas, do outro lado do globo.
Mas, além de tudo o mais, há uma particularidade adicional que torna esta ‘história’ especialmente singular: o seu iate, de nome “Baluchon” (‘pacote’, em português), foi construído por ele mesmo, com orçamento reduzido, tendo custado apenas cerca de 4000 euros e… 400 horas de trabalho. Tem um só mastro, uma única vela e não comporta motor. Mais: não há peças sobressalentes a bordo, pois, simplesmente, não há espaço para tal!
Tudo começou em Lisboa, no mês de maio de 2019, pois fora ao largo da costa portuguesa que naufragara uns tempos antes, na primeira tentativa de iniciar sem mácula a ‘grande aventura’, que quase lhe custou a vida, não fosse ser salvo por um navio cargueiro de passagem próxima, em altura de forte tempestade, que levou a sua embarcação anterior ao fundo. Depois seguiu-se Canárias, Caraíbas e o Canal do Panamá, que cruzou… por terra, pois o “Baluchon” (um ‘Optimist’ de vela oceânica, como lhe chamava um periódico francês) não tem dimensão para ter piloto a bordo e nem rebocador por companhia!
No lado de lá das Américas rumou às Marquesas (em 44 dias), à Polinésia Francesa, incluindo Tahiti e Tuamotu, e ainda à Nova-Caledónia, onde teve de parar meio ano, pois era imperioso deixar passar a época das tempestades do hemisfério Sul e deixar também acalmar essa ‘peste’ da COVID-19, que fechou portos e marinas em lugares onde era suposto ter feito escala e que tiveram de ser esquecidos. Como ficou sem efeito a viagem pré-programada de uma ‘costa-a-costa’ na Austrália, com o veleiro no tejadilho de um carro velho que pensava comprar, não fosse a pandemia trocar-lhe, igualmente, as voltas. Disto resultou uma travessia direta – 7000 milhas marítimas – da Nova-Caledónia até à ilha de Reunião. Assombroso, e em 77 dias! Depois foi a vez da África do Sul, ainda para lá do Cabo da Boa Esperança, pois, na vinda para Ocidente, a Cidade do Cabo já é, de novo, de ‘sabor’ Atlântico. Daí foi um passo até à ilha (britânica) de Santa Helena, a anteceder a travessia com destino a terras de Vera-Cruz. No Brasil a escala fez-se no Estado de Paraíba, de onde largou a 26 de abril passado, rumo à Horta.
Depois de cerca de 10 dias de descanso e aprovisionamento nas ilhas dos Açores será tempo de voltar ao mar. Próxima paragem: casa, em Saint-Brieuc. Até à próxima aventura… e, talvez, até nova proeza! O aventureiro solitário bretão Yann Quenet e sua – verdadeira – ‘casca de noz’ levam nesta jornada de três anos longas passagens dos três principais “mares-oceanos”, como já se disse: Atlântico, Pacífico e Índico, este último o mais complicado, pelo que referiu à Portos dos Açores, S.A..
Este velejador de 51 anos, natural de Nantes – ex-esquiador em desportos de Inverno e com menção nos registos da FIS (Federação Internacional de Ski) –, está de passagem na Marina da Horta pela quarta vez, tendo ali feito escala, numa primeira ocasião, em 2006. Na oportunidade, em embarcação maior e com companhia na navegação, como faz questão de frisar, para lembrar que agora a viagem é mais ‘radical’! Mesmo assim, as dimensões do “Baluchon” não o atormentam nem amedrontam, não sendo em vão que nos disse, por duas vezes, em pleno pontão da marina faialense, num misto de conformação e satisfação: “Small boat, small problems”!